segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Em algum lugar de Caldas



Fazenda da Cachoeira, um testemunho vivo da história de Caldas.
A história da colonização do município de Caldas começou com a criação de gado, a princípio criado como moeda de troca e posteriormente para a ordenha e corte, assim começou os primeiros movimentos da economia do município, sempre tendo o gado e os campos naturais como sustento para esses animais. Tudo isso começou a bem mais de 200 anos atrás, testemunhos vivos dessa época seria então impossível¿ Não, na Fazenda do Retiro! Uma fazenda que nos leva a uma verdadeira viagem ao passado.
Imagine uma fazenda, com base de pedras, paredes de pau a pique, a seu redor um enorme curral de pedras e madeiras e pequenas casinhas, também de pau a pique para guardar mantimentos, paiol de madeira, com chiqueiro embaixo, claro também de pedras feito por escravos! E tudo mais como casa de colono, roda d’água para gerar energia, mujolo para fazer canjiquinha e por aí vai. O tempo já corroeu boa parte destas benfeitorias, mas uma considerável parte esta lá intacta, como há 124 anos. A Fazenda não é a mais antiga do município, existem outras ainda mais ancestrais, como a Fazenda Ribeirão Fundo que também ainda esta de pé em pleno vapor e é datada de 1851 e há ainda outras mais antigas como a Fazenda do Capivari. Mas o que chama a atenção na Fazenda da Cachoeirinha é o modo como tudo é feito, principalmente o retiro ainda manual, com vacas, guzerás e caracus que segundo o Sr, Virgilio herdeiro da fazenda, essa espécie de gado foi escolhida devido à resistência e por se adaptar melhor aos campos naturais. Virgilio é filho do Antônio José melo, o saudoso Toquinho que adquiriu a fazenda de um tio avô, Pedro Severiano França (Pedro Cuta), o fundador da fazenda em 1889.
O dia na fazenda começa no raiar do dia, as vacas estão soltas pelo pasto, boa arte ainda campos naturais. O cachorro e os gritos do Sr. Virgilio e seu enteado e braço direito “Dione” trazem elas até o curral. Os bezerros estavam em outro pasto, mas nessa hora já estão berrando ao redor esperando pelo leitinho_ Uma teta cheia de leite, essa é forma de partilha, três para o retireiro e uma para o bezerro, parece injusto, mas, é mais que suficiente para saciar a fome do bichinho.
Os bezerros são amarrados nas patas dianteiras da vaca, o leite é retirado num balde, vaca boa enche o balde de 12 litros. Se a vaca for de primeira cria e ainda não estiver acostumado com a rotina do retiro, usa-se o cambão, que é uma madeira com uma corda na ponta usada para amarrar a vaca enquanto o vaqueiro a segura em outra ponta. Tem que ter braços fortes e coragem para segurar a vaca com seus chifres afiados, essa casta de vacas é conhecida pelos enormes chifres encurvados, na fazenda esses chifres que são preservados ao contrário de outras fazendas onde as vacas são escornadas para evitar acidentes e facilitar o manejo.
Como em qualquer retiro, há sempre uma garrafa de café com uma caneca que pelo menos em dois intervalos da ordenha é cheio com leite retirado na hora, literalmente aos pés da vaca. Outra cena no mínimo inusitada, para quem nunca acompanhou um retiro é o banco de madeira, amarrado por uma borracha ao corpo do retireiro, assim ele nunca cai, mesmo que a vaca se movimente.
Segundo Virgílio, a fazenda intercalou a venda do leite in natura com a produção de queijo no decorrer dos seus 124 anos de existência. No entanto, a forma de produção nunca se alterou, houve os momentos de auge da fazenda, quando tinha no mínimo três famílias de colonos que viviam e trabalhavam na fazenda, eram mais de 150 vacas, para ser ordenhadas, manejadas e apartadas e havia ainda os trabalhos intrínsecos de uma fazenda. Hoje somente dois são mais que o suficiente para cuidar das 40 vacas restantes. Embora o trabalho ainda seja muito, boa parte do trabalho que antes era feito manualmente na fazenda, hoje é mecanizado, ou mesmo produtos que antes era cultivado, colhido e beneficiado na própria fazenda, como o arroz, por exemplo, que era colhido e limpo ali mesmo no mujolo, hoje é adquirido no mercado já limpo, pronto para o preparo. Muita coisa mudou no decorrer da história da fazenda, assim como, tudo muda, mas testemunhar uma forma de trabalho que atravessou o século sem nada mudar é no mínimo uma experiência enriquecedora e que nos leva a mudar a percepção do olhar e do pensar em relação à cultura, tecnologia e consumo.





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